Em meio aos esforços de combate à epidemia e às polêmicas envolvendo a adesão total ou parcial à quarentena decretada pelas autoridades de saúde, o mercado de áudio, vídeo & automação residencial parece estar conseguindo se adaptar. Quase todas as empresas consultadas entraram em regime de home office, mas colocando seus funcionários de prontidão para o atendimento virtual dos clientes, especialmente as revendas especializadas.
        Neste trabalho especial, fomos ouvir os responsáveis por algumas delas com três perguntas básicas nesta fase de transição:
1. Como sua empresa está sendo afetada pela COVID-19? Mudou sua rotina como gestor e a de seus funcionários?
2. Como acha que as empresas pequenas e médias – que são maioria no segmento – devem agir neste período de quarentena?
3. A médio e longo prazo, que lições podemos todos tirar de uma crise como essa?
        Veja a seguir as respostas:

Mauro Zucato Filho, fundador e diretor da Disac, distribuidora de marcas como Control4, PolkAudio e Onkyo:

“Nossas vendas no início caíram muito, mas estamos notando uma volta gradual, principalmente em mercados fora dos grandes centros. Não paramos o fluxo de entrada de mercadorias, mesmo sendo impactados pelo dólar, que subiu muito e está muito volátil. Porém, estamos administrando com muita cautela a importação apenas de produtos necessários.

“Sempre fizemos importações cujo trânsito era do fabricante direto para a Disac. O que mudou? Criamos um pit-stop logístico nos EUA, e fazemos os pedidos aos fornecedores que mandam para lá e de lá administramos os embarques. Antes de falarem em isolamento, já havíamos tomado decisões internas para tentar evitar o contágio. As coisas básicas: álcool gel em todo canto na empresa; solicitamos aos funcionários trazerem suas refeições de casa, etc. Na última quarta-feira completamos 30 dias de Home Office total. Todo mundo em casa, com reports e reuniões on line diariamente. 

“Eu particularmente sinto muita falta de ir à empresa. Acho que o contato diário entre as pessoas é uma coisa insubstituível. Não temos muito o hábito de fazer reuniões. Somente as essenciais. O resto é tratado no cara a cara diário. Funciona muito bem.

“Os funcionários não veem a hora de retornar. Ninguém aguenta muito tempo o stress doméstico. Mas só faremos isso quando sentirmos segurança quanto à saúde das pessoas. A ansiedade com relação à economia, aos empregos, é o que mais afeta a cabeça dos funcionários.

“É importante ser honesto, transparente e ter o sentimento humano. Estamos diante de uma crise sem precedentes. O lado humano será priorizado ante o lado econômico. Temos que sair dessa com vida”.

“Para as empresas pequenas e médias, o principal problema agora será a falta de caixa. A grande maioria não tem caixa para aguentar muito tempo uma falta completa de vendas. Nessas horas é que as empresas sentem uma eventual falta de controle, um dos principais problemas das pequenas e médias. Vão levando o dia a dia e não têm na ponta do lapis a capacidade de projetar o futuro. Isso ajuda a quebrar negócios. Quando o empresário vê, o próximo passo é o abismo. O importante é enxergar isso muito antes.

“Uma coisa importante é: ser transparente com todos que estão envolvidos nos negócios: funcionários, prestadores de serviço, terceirizados, etc. E nessas horas é importante ter credibilidade, ser honesto e transparente. E ter o sentimento humano. Estamos diante de uma crise sem precedentes. O lado humano será priorizado ante o lado econômico. Temos que sair dessa com vida. Temos que ter responsabilidade. Ouvir quem tem experiência no assunto e seguir as orientações”.

“São inúmeras as lições que podemos tirar. Jamais menosprezar um inimigo. Quando menos se espera, um ataque invisível, não previsto, gera o caos. Agora sabemos que isso pode acontecer. E a prevenção é ter um negócio sólido, saudável financeiramente, com gente competente, dedicada, disposta a encarar a briga como um verdadeiro time, para o que vier.

“Outros ensinamentos virão do sentimento humano. A valorização da vida, das relações pessoais, corporativas, familiares e entre amigos. Acho que muita gente vai dar uma guinada no seu modo de viver, de agir, de se comportar e de consumir”.

João Yazbek, sócio-fundador da AAT (Advanced Audio Technologies), fabricante de equipamentos de áudio:

“Como somos uma indústria, não fomos obrigados a fechar por completo. Mas, pensando na coletividade, fomos os primeiros do mercado a informar que iríamos parar. E isso aconteceu antes da edição do decreto pelo governo do Estado. Paramos a empresa por 10 dias, atendendo em regime de home office. Nos dias seguintes, com pessoal reduzidíssimo, voltamos a atender pedidos de clientes, que estavam se acumulando.

“Como fizemos um planejamento consistente no início do ano, e pelo fato de termos produção local, tínhamos estoque suficiente para 15 dias de demanda. No dia 7 de abril, adotando todas as regras de distanciamento social, retomamos a produção parcial, para reposição de itens com estoque baixo em função da demanda. Os funcionários foram treinados, receberam máscaras, material de higiene e todo tipo de informação necessária. Ao mesmo tempo, estendemos o home office a outros setores da empresa. Podemos dizer que a operação, nesta última semana, foi acima das expectativas, tanto em vendas como em produção. 

“Alguns modelos de negócio terão de ser revistos. Haverá uma tendência à ‘desglobalização’ , o que será muito bom para a indústria brasileira”.

“Sendo um período de exceção, não vivenciado nos últimos 100 anos, a palavra do momento é calma. Logicamente, as empresas irão sofrer bastante, e vão sobreviver aquelas mais bem estruturadas e que pensaram melhor sua operação. Infelizmente, o País não ajuda, com leis trabalhistas defasadas e uma moeda que se desvalorizou demais. Mas, neste momento, o empresário que estiver melhor posicionado em função destas variáveis, e souber contorná-las, não apenas irá sobreviver como sairá fortalecido desta crise.

“A lição que fica para o mundo é que alguns modelos de negócio terão de ser revistos, como alguns já estão sendo. A globalização dos últimos 25 anos corre grande risco de ser revista por muitas empresas, uma vez que cadeias de fornecimento interligadas foram quebradas pela primeira vez, coisa que muitos achavam impossível. Acredito que haverá uma tendência à “desglobalização” de muitos modelos de negócio, o que será muito bom para a indústria brasileira, ou seja, para aqueles que produzem aqui e não fazem somente uma operação SKD. Logicamente, esta mudança de paradigma implicará em se desenvolver produtos localmente, que é a especialidade da AAT”.

Daniel Lima, sócio-diretor da ArchTechnologies, distribuidora de marcas como Magna e Stewart, entre outras: 

Como qualquer empresa, estamos sim sentindo efeitos do isolamento social, e entendemos a importância deste no momento. Uma vez que não estamos em lockdown, que há muitas regiões do país que ainda estão trabalhando em sua maioria e, mesmo em São Paulo, as obras continuam rodando, estamos atendendo aos pedidos que chegam. O que mudou foi o atendimento no show-room. Estávamos recebendo ao menos 5 revendas por semana para conhecer nossas linhas, e isso precisou ser interrompido.

“Como o depósito e a fábrica ficam em Campinas, e temos vários fornecedores nos EUA e Europa, já usávamos muito as ferramentas de reunião a distância e compartilhamento de arquivos, então isso não foi um problema. Outra coisa que facilitou nosso trabalho foi o lançamento do nosso portal na primeira semana de março.

“Para as empresas, é uma situação desafiadora. Acho que as pequenas e médias primeiro precisam fazer a lição de casa, isto é, cortar todas as despesas desnecessárias, diminuir o que puder de custo e vender aquilo que está parado no estoque já há um certo tempo, para fazer caixa. Também devemos buscar as linhas de financiamento disponíveis, apesar de que até agora não conheço ninguém que conseguiu.

“A segunda coisa a fazer é olhar para seu negócio no futuro. Ele é sustentável? O que pode ser feito para que, em períodos como o atual, ele seja menos atingido? Vejo que falta muita presença online para os revendedores e instaladores… não estou dizendo necessariamente ter uma loja, mas divulgar seu trabalho online pode ajudar muito a conseguir novos negócios.

“Olhar para o negócio no futuro. Ele é sustentável? O que pode ser feito para que, em períodos como o atual, ele seja menos atingido?”

“Outro ponto importante é ter venda recorrente. Sentimos que os revendedores que usam o OvcC (sistema de gerenciamento remoto compatível com muitas marcas de AV e Automação) conseguiram dar um suporte melhor aos clientes que precisaram ficar em casa, e em muitos casos, pela proximidade, fazem upgrades mesmo nesse período. Suporte remoto não dá lucro direto para a maioria das empresas, mas dá indiretamente, através das vendas extras que acabam ocorrendo somente pelo contato recorrente com o cliente.

Crise sempre faz a gente se mexer. Seja qual for a crise ou a mudança de paradigma, o que precisamos é sempre questionar nossos negócios sobre o futuro, entender o que pode ser melhorado. Temos o costume de nos acomodar e só nos mexer na crise, isso faz com que a gente sofra muito mais. Nesse caso específico, a forma como fazemos negócio e nos comunicamos vai mudar muito, não será como antes. Precisamos alinhar nossos negócios a esse novo perfil”.

Marcelo Café, country head da BenQ no Brasil, fabricante de displays e projetores:

“A BenQ começou a sentir o impacto quando a China entrou no lockdown (palavra nova que aprendemos) e depois não retornou do feriado de Ano Novo Chinês. Fomos impactados com falta de produto, alta do dólar e a atual quarentena brasileira. Eu e todos os nossos colaboradores estamos trabalhando em casa, com exceção do corpo técnico. Estamos mais unidos para superar esse desafio, e estou certo que todos sairão mais fortes dessa situação.

“Reduzir os custos fixos, e com racionalidade. Redução de custos não quer dizer demissão! Em momentos difíceis é que temos as melhores idéias”.

“Estamos reduzindo os custos fixos rapidamente, e com racionalidade. Redução de custos não quer dizer demissão! É um momento para pensarmos na estratégia do negócio, pois em momentos difíceis é que temos as melhores idéias. 

“Além das lições morais, éticas e de convivência que cada um vai tirar, eu pessoalmente reforço uma que utilizo no meu negócio: PARCERIA. Temos que ter bons parceiros que nos ajudem nas horas difíceis”.

Kahlil Zattar, diretor da Som Maior, que distribui marcas como B&W, SIM2 e Integra:

 

“A Som Maior está sendo bastante afetada, tanto pela queda abrupta nas vendas quanto pela disparada do dólar contra o real. Nosso faturamento caiu 90% nos últimos 30 dias. Ficamos três semanas fechados, com toda a equipe em férias coletivas e apenas um colaborador de cada área em regime de plantão para atender emergências dos clientes. Nesta 2a 13/04, o governador de SC liberou a volta às atividades do comércio em todo o Estado e voltamos a trabalhar normalmente com toda a equipe.

“Se o pequeno empresário precisar escolher o que pagar nessa crise, penso que a ordem seria: primeiro salários, depois fornecedores, depois despesas como aluguel, luz e internet e por último os impostos. Como o nosso segmento vende bens não essenciais, o empresário não vai conseguir realizar muitas vendas durante a quarentena. O objetivo deve ser a redução de danos mesmo.

“O pequeno e médio empresário deve se envolver mais na política. Somos responsáveis por quase 70% dos empregos do Brasil”

“Com relação a lições aprendidas, a verdade é que as pequenas e médias empresas deveriam agir antes da quarentena ou de uma crise qualquer. Em todas as nossas convenções com os revendedores, sempre sugerimos fortemente que devem ter pelo menos três meses dos custos e despesas em caixa para qualquer eventualidade, sem contar com nenhuma entrada de caixa durante esses três meses. As empresas que seguiram essa receita e mantinham essa reserva em caixa com certeza passarão pela crise muito mais tranquilamente que as demais.

“Para encerrar, penso que um grande aprendizado é que o pequeno e médio empresário deve se envolver mais diretamente na política, já que somos responsáveis por quase 70% dos empregos do Brasil e que na média nos envolvemos muito pouco. O envolvimento pode ser via associação comercial, via associação comunitária ou diretamente apoiando algum partido político que represente seus ideais e seus valores.

“Parafraseando a escritora e filósofa Ayn Rand, você pode ignorar a política, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a política”.

Cristiano Mazza, diretor do Grupo Discabos, que distribui marcas como Crestron, LG Business e Shure:

Hoje representamos 14 marcas mundiais, sendo que a grande maioria é fabricada fora do Brasil. Assim, o fechamento ou desaceleração do comércio internacional acaba atrapalhando e retardando a composição de estoque e demanda específica de projetos. Contudo, temos conseguido atender a todos neste momento, apenas com um pouco de atraso em alguns casos. Estamos constantemente conversando com nossos fabricantes para entender o fluxo de produção e estoque deles, evitando atrasos na nossa entrega. Tem sido importante para repensar o forecast de produtos e tentarmos ser mais assertivos nas tecnologias que iremos oferecer ao mercado.

“A rotina de todos no Grupo Discabos mudou muito. Obviamente, o home office depende da internet, e nem todos têm disponibilidade de banda larga. Além disso, as famílias estão em casa, com filhos usando a internet e computadores para fazer aula online, o que acaba gerando uma divisão de hardware entre os colaboradores e suas famílias. Depois de uma semana, as operações comerciais e de suporte técnico estavam funcionando bem. Acabamos fechando março na nossa média esperada de faturamento, graças ao empenho de todo o time, em especial aos técnicos do suporte, consultores comerciais e pessoal logístico e administrativo. Acredito que conseguimos nos adaptar rápido… mas não vemos a hora de voltar ao normal.

“É um momento de proteção do caixa, importante estar com caixa positivo e ter capital de giro. Ao mesmo tempo, as empresas manterem os empregos para continuar operando na retomada. Acredito muito na conversa para gerar um ponto comum entre os interessados. Sugiro em especial que tentem ao máximo estudar e desenvolver novos conhecimentos e habilidades. O mercado vai retornar mais forte, nossa área será uma das mais exigidas na retomada.

“Sempre vendemos um sonho. Nesse momento, minha filha de 7 anos está fazendo uma videoconferência, conhecendo tecnologias e tendo experiência de uso. Por pior que possa ser usando um notebook, isso irá gerar uma experiência nela. Assim, quando ela vivenciar no futuro uma videoconferência em sala automatizada, com hardware correto, codec configurado etc., ela entenderá o valor desse produto. Algo que as gerações passadas não tiveram oportunidade de conhecer.

“O mercado vai retornar mais forte, e nossa área será uma das mais exigidas na retomada”.

“Sugiro que as empresas tentem antecipar projetos com seus clientes. Muitas empresas continuam investindo porque não podem parar e sabem que em breve o mercado retornará diferente, e precisam ter as ferramentas para operarem.

“A lição mais importante é preservar caixa positivo e ter conhecimento técnico para aplicar as soluções em seus clientes e projetos. Não sei quanto tempo ficaremos em casa, ou quanto tempo demoraremos para ver algo parecido, mas as empresas podem aproveitar para se digitalizar ao máximo, buscando novos caminhos de encontrarem leads e demanda.

“Atualmente, nosso mercado é muito offline; vai se transformar para o digital, assim como as linhas de TI e segurança eletrônica, tendo canais de atendimento e venda online. Nesse sentido, é essencial o integrador saber se posicionar como um agente de serviço, com capacidade técnica de projeto e instalação para resolver os problemas e gerar a experiência correta ao usuário. No longo prazo, acredito que integradores que se enxergam como “lojas” vão sofrer mais do que aqueles que se enxergam como especialistas, e vendem serviço ao invés de focarem demasiadamente em produto. Diria a eles para se especializarem tecnicamente e digitalizarem sua empresa visando a captação de novos negócios”.

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